quarta-feira, 6 de julho de 2011

Ela amou um idiota

Ela amou um idiota. Não deu pra reconhecer logo de cara que ele era um idiota. Talvez os sinais tenham ficado claros depois de um tempo, mas já era tarde demais para ela reconhecer. Ela já estava cega de amor por um idiota.
Tudo começou sem compromisso - como quase todo relacionamento saudável. Gostavam das mesmas coisas, conversavam as mesmas ideias, ouviam as mesmas músicas, odiavam as mesmas pessoas pelos mesmos motivos, tinham os mesmos planos de vida, até a mesma profissão. Mas ele era um idiota.
Ela era uma criança no quesito relacionamentos. Ele era uma criança, mentalmente falando. Isso é mais que ser idiota. Além disso, é claro, ele era um idiota.
Ela era uma linda, com a vida pela frente. Quase dez anos mais nova, cheia de amigos, ignorante perante os desafios da vida - e, quer saber? Não importava. Ela passava por todos, ao largo, tirando onda e balançando o cabelo. Rindo, cantando alto e dirigindo rápido. Atraindo olhares. Mas ele? Ah, ele era um idiota.
Além de idiota, ele era inseguro. Como todo idiota, precisava espelhar sua insegurança em alguém. Ela era a vítima. Em pouco tempo, sua alegria de viver foi substituída por toda a insegurança dele. Os medos que ele tinha da vida, de fracassar, de não arriscar, de não dar certo. Os constantes "e se", a responsabilidade excessiva, o ter de dar certo a qualquer custo. O peso que ele colocava na vida era tão grande para ele que passou pra ela. Ele, o idiota, contaminou-a com toda sua amargura de viver. Era mesmo um idiota.
Sim, ele era um idiota. Ela não via, não sabia. Sua cabeça desconfiava, mas seu coração estava encantado - com o que, ainda não se sabe. É um mistério que, creio, jamais saberemos. Seus amigos tentaram alertá-la, sua família acendeu a luz vermelha e, pela primeira vez, colocou na maçaneta da porta o aviso: "Não seja burra, ele não te merece". Ele era assunto evitado entre os mais próximos. Sabe quando a vontade é dar uma sacudida na pessoa e dizer: "ACORDA, MINHA FILHA"? Pois é.
Passaram a brigar. A natureza amarga e sombria dele contrastava com a personalidade expansiva e alegre dela. Ele não gostava da forma menos responsável e mais leve como ela levava a vida. Ela mesma brigava com isso dentro de si: "será que sou irresponsável?". Chorava e se cobrava. Ele, o idiota, cobrava dela. Quando ela estava em dúvida, ele dizia: "você não pode mais errar. Não pode mais voltar atrás. Está muito velha para começar de novo, não acha?". Ela tinha 23 anos. Ele era um idiota.
Em toda briga, ele ameaçava terminar tudo. Ela chorava e implorava para que não fizesse isso, ela poderia mudar, eles poderiam mudar e ter o futuro que planejavam. Ela era diferente (era demais pra ele) de todas que ele já havia conhecido. Ela desejava que isso acontecesse. Mas a mudança, se acontecesse, não seria dela. Deveria ser dele. Ele tinha que deixar de ser um idiota. Ela devia mudar de namorado. Mas ela o amava (será?).
Ele ameaçava terminar, dizia que não dava mais. Ela implorava, soluçando, por mais uma chance. Ele, como se fosse um favor, um grande sacrifício, aceitava. E ela estava a salvo por mais uma semana - ou até o tempo que fosse até ele arrumar motivo para uma nova briga.
Demorou até que ela percebesse que ele era um idiota e ela, muita areia para o caminhãozinho dele. Demorou demais. Mais lágrimas do que ele merecia foram derramadas. Ela não dormia, não comia. Ela foi ao psiquiatra, por indicação da psicóloga, e começou a tomar remédios contra ansiedade.
Ele foi muito idiota. No fim, ele foi mais que idiota, foi babaca. Quando o respeito acaba e a insegurança sobra; quando tudo o que ele via era um trapo de gente e ela achava que ele era a tábua de salvação dela; quando ele a ignorava e estava em 164ª plano pra ele (logo depois do item "regar o cacto"), enquanto ele era prioridade zero pra ela. Ele cuspia, limpava os pés, escarrava e a tratava como uma placa de Petri com o vírus Ebola. Ele era, mesmo, um idiota.
Ela se recolheu, juntou seus cacos. Chorou, e muito. Achava que não ia sobreviver e que jamais seria feliz novamente. Não parava de pensar no idiota. Mas o tempo - ah, o tempo - veio e, de repente, aquele sentimento já não fazia mais sentido. Ela voltou a se amar. Aprendeu a se respeitar novamente e a se gostar. Já se olhava no espelho, já fazia sentido se arrumar, passar maquiagem. Já havia voltado a gostar da vista do seu quarto. Já se planejava novamente. Estava seguindo em frente.
E seguiu. Mas o idiota deixou marcas. Algumas boas, outras ruins. Uma delas foi o trauma: ele a traumatizou. Mas, ah, isso também há de passar.